quinta-feira, 14 de maio de 2009

Um Apólogo

Trabalhando a fábula - interpretação

Um Apólogo

Era uma vez,uma agulha que disse a um novelo de linha:
__Por que você está com esse ar,toda cheia de si,toda enrolada,para fingir que vale alguma coisa neste mundo?
__Deixe-me,senhora.
__Que a deixe?Que a deixe,por quê?Porque lhe digo que está com um ar insuportável?Repito que sim,e falarei sempre que me der na cabeça.
__Que cabeça,senhora?A senhora não é alfinete,é agulha.Agulha não tem cabeça.Que lhe importa meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu.Importa-se com a sua vida e deixe a dos outros.
__Mas você é orgulhosa.
__Decerto que sou.
__Mas por quê?
__É boa!Porque coso.Então os vestidos e enfeites de nossa ama,quem é que os cose,senão eu?
__Você?Esta agora é melhor.Você é que os cose?Você ignora que quem os cose sou eu,e muito eu?
__Você fura o pano,nada mais;eu é que coso,prendo um pedaço ao outro,dou feições aos babados...
__Sim, mas que vale isso?Eu é que furo o pano,vou adiante,puxando por você que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
__Também os batedores vão adiante do imperador.
__Você é imperador?
__Não digo isso.Mas e verdade é que você faz um papel subalterno:indo adiante;vai só mostrando o caminho,vai fazendo o trabalho obscuro e íntimo.Eu é que prendo,ligo,junto...
Estavam nisso,quando a costureira chegou á casa da baronesa-não se disse que isso se passava na casa da baronesa,que tinha a modista ao pé de si,para não andar atrás dela.Chegou a costureira,pegou o pano,pegou a linha,pegou a agulha,enfiou a linha na melhor das sedas,entre os dedos da costureira,ágeis como galgos de Diana-para dar a isso um tom poético.E dizia a agulha:
__E então,senhora linha,ainda teima no que dizia há pouco?Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo;eu é que vou aqui entre os dedos dela,unidinha a eles,furando abaixo e acima...
__A linha não respondia nada,ia andando.Buraco aberto pela agulha era preenchido por ela,silenciosamente e ativa,como quem sabe o que faz,e não está para ouvir palavras loucas.A agulha,vendo que ela não lhe dava resposta,calou-se também,e foi andando.E era tudo silêncio na seleta costura.Não se ouvia mais que o plic-plic da agulha no pano.Caindo o sol,a costureira dobrou a costura para o dia seguinte;continuou ainda nesse e no outro,até que no quarto acabou a obra,e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile e a baronesa vestiu-se.A costureira que a ajudou a vesti-se,levava a agulha espetada no corpo para dar algum ponto necessário.E enquanto compunha o vestido da bela dama,e puxava,arregaçava,alisava,abotoava,acolchetava;a agulha ficava a mofar.
__Ora,agora,diga-me,quem é que vai ao baile no corpo da baronesa fazendo parte do vestido e da elegância?Quem vai dançar com ministros e diplomatas,enquanto você volta para a caixinha da costureira,antes de ir para o balaio das mucamas?Vamos,diga lá!
Parece que a agulha não disse nada;mas um alfinete
de cabeça grande e não menos experiente murmurou á pobre agulha: - Anda,aprende,tola.Cansa-te em abrir caminho que não abro para ninguém.Onde me espetam,fico...
Contei esta história a um professor de melancolia,que me disse abanando a cabeça:
__Também tenho servido de agulha a muita linha ordinária.

(Postado pela aluna Tatiane)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Muito obrigada por sua visita e comentário.
5ª A - Matutino